Por quê perder tempo com distracções supérfulas? O que faz o tempo? Avança. Nunca espera. Vamos com ele, ou ficamos na estação. Virá o próximo comboio? Quando? Se vier, levar-nos-à para onde? Fosse eu o maquinista, e estava o problema resolvido. Mas não, finjo existir. Oculto-me como fazem as donas de casa, atrás dos programas da manhã , dos da tarde e, por fim, das novelas. E mais tarde, nos lençóis, e no marido. Fazem-se corpos presentes. Fazem-se etiquetas, para colar onde é preciso identificar uma gaveta no meio de muitas.
Gera-se a confusão no peito. Aflijo-me de repente. Sinto o trepidar do comboio a aproximar-se, mas vejo-me cega e, desorientada, procuro alcançar a porta para a saída! Mas, já tinha passado; passou, correu, parou? Não vi, nem senti. Só a aflição.
Passou. Morreu. Não vale a pena. Perdi-o, ao tempo. Como se pode perder uma coisa tão grande? Estava cega. Mal vejo. Sufoco, perco-me nas paredes. Tantas paredes! Tantos tropeções, tantos buracos, estou sempre a cair, o pé pisa em falso!
Sento-me, não sei bem onde. Sento-me, sinto uma paz esquisita. O pensamento descansa, e desconfia. Ergo a cabeça para tentar perceber com a pele o que se passa à volta. Não sei onde estou: volta a aflição. O tempo agita as árvores, consigo ouvir. No chão, sinto-me quente, mas assustada. Volto o rosto para dentro. E fico aqui, para aqui. Até que o comboio passe outra vez. E à espera que a cegueira se dissipe.